Multidões silenciosas
.O mundo actual encontra-se mais frenético, as pessoas mais afastadas e distantes umas das outras ainda que aparentem mais próximas, seja pela proximidade física, seja pelas redes sociais e interações digitais. Uma parte significativa dos países viu as suas democracias fragmentadas e outra parte significativa dos países viu as suas democracias bastante mais dualitárias, dependendo dos contextos, dos sistemas políticos e dos regimes políticos....As ditaduras continuam sendo-o.....Ditaduras....Todo o poder ter denominadores comuns, e isto é també verdade para os poderes ou para o poder político. Na minha humilde opinião vivemos, em particular em Portugal que é o contexto que conheço, a ascensão de uma nova "classe" social: a classe que pertence a uma multidão que se manifesta pela ausência de manifestação, isto é, uma massa enorme de pessoas descontentes com a sociedade, com o sistema político, mas que, confrontada com o seu pequeno e exclusivo poder, o do voto, não sabe o que lhe há-de fazer. Simplesmente porque olha para o panorâma político e não vê opções, não vê nada nem ninguém com que se identifique. Descrente, percebeu-se numa espécie de cleptocracia, ou, pelo menos, numa escolha política potencial, sem grande afirmação de vontade, identificação pessoal, ou o tão necessário e desejável posicionamento. Há uma grande massa de pessoas, há uma multidão silenciosa que se desencantou, que se perdeu, que se manifestou na vontade de não ter vontade em escolher. A existência de, a mês e meio de uma eleição, haver mais de 40% de eleitores que não sabe onde irá votar é sintomático de uma sociedade que encontra-se num dilema, num beco sem saída. O constante e cada vez maior escrutínio público é uma necessidade que não pode nunca ser visto como uma entropia do sistema, mas tão somente com a necessidade de uma maior exigência à classe política e aos seus representantes (do povo) de rectidão moral e comportamental. A existência de um partido político cuja única nota na agenda é o combate à corrupção é, tão somente, o dado justificativo da necessidade (e da consequente aprovação e legitimidade dada pelo povo) de escolha e recrutamento político, em todo o espectro político, dos melhores, e dos melhores tecnicamente, mas também, e para além disso, dos melhores e mais ponderados e equilibrados seres humanos. Estas multidões silenciosas quedam-se no silêncio da exigência pela escolha do menos mau e pela dor que essa falta de escolha representa. Não é só cá. As multidões silenciosas levantam-se nas democracias actuais face a várias variáveis, como a intensidade noticiosa, o maior, mais rápido e mais eficaz escrutinio, o funcionamento interno do sistema e o próprio agravamento dos problemas económico sociais acentuando-se intensivamente nesta última década um pouco por todo o mundo, ou seja, o próprio bloqueio e não resolução das legítimas e básicas aspirações das pessoas, dessa grande massa que compõe estas multidões silenciosas, dispersas pelos países democráticos (mais silenciosas serão, obviamente, nos países ditatoriais, sendo parte integrante, por natureza, destes mesmos). Acabamos por estar assim com um denominador comum às ditaduras: a impotência individual e o silenciamento interior, ainda que, e muito felizmente, vivamos em sociedades com liberdade de expressão manifesta e que o podemos fazer, quotidianamente, nos meios digitais e nas redes sociais, sem qualquer motivo de apreensão ou medo. Isto é, se há algo que podemos agradecer às democracias é o facto de podermos sempre mudar o curso da História quando deixarmos de ser multidões silenciosas. Estou grata poder escrever aqui, quando quero, dizer as barbaridades que quiser sem qualquer medo ou pudor. Ainda que escrever nas redes sociais ou espaços virtuais dê às pessoas uma falsa sensação de relevância, tomo para mim apenas, o gosto pela escrita, num local prático e organizado. E por isso, em democracia todos nos expressamos.....até a abstenção eleitoral é uma forma de expressão pessoal, mas não é a minha forma, nem a minha forma de ver o mundo. Obviamente, nas multidões silenciosas possamos encontrar dois tipos de pessoas: sob o ponto de vista negativo, ou seja, no sentido em que rejeitam toda e qualquer proposta política, de qualquer quadrante político, de qualquer partido político, eu, pelo menos (enquanto não fundar um partido progressista que tenha como foco tirar o país da pobreza sistémica), confesso que estou no grupo dos tipos de pessoas sob o ponto de vista positivo, isto é, vejo em todos, em toda a "oferta de mercado" propostas, projectos, causas, que me parecem fundamentais e com as quais me identifico. O problema está mesmo no agregar dessas causas, dessas propostas, e talvez seja esta, também, uma das causas (passo pleonasmo de homoninimidade) pelas quais estas multidões silenciosas, estas massas estejam dispersas e cada vez maiores. PS: nestas eleições, na minha humilde opinião, o resultado vai valer muito pouco, pois o verdadeiro embate e a verdadeira instabilidade não vai vir agora, mas com a exigência de fazer passar um Orçamento de Estado para 2026. Adivinhem o posicionamento dos partidos. Pois é.....Nunca digas nunca....ou até que a morte nos separe....não é sim....