Marcelo, gémeas e cunhas
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Sou portuguesa, tenho uma doença rara e escrevi ao Presidente. Recorri à mais alta figura do Estado Português à cerca de 2 anos, por isso, posso falar do que sei, o meu caso. Há dois anos institucionalizei a minha necessidade iniciando toda a tramitação processual, a que, até então, desconhecia. À epoca, passados cerca de 3 meses recebi uma missiva de resposta a indicar que a minha situação havia sido encaminhada para o Gabinete do senhor Primeiro Ministro. Aguardei....Mais uns meses, nova missiva, desta feita do Gabinete do Senhor Primeiro Ministro a informar de que a minha situação havia sido transferida para o Ministério da Saúde....Aguardei....Mais uns meses, novamente, uma missiva......do gabinete do Ministério da Saúde a informar de que a minha situação havia sido encaminhada para a Direção Geral de Saúde.....Aguardei.....Aguardo até ao dia de hoje....O sistema claramente não funciona, o país não funciona....Felizmente tenho a sorte de ter uma sintomatologia mais benévola do que a esmagadora maioria dos pacientes com esta doença..Infelizmente esta doença atacou-me e só no estrangeiro a consigo resolver.....Estou longe de condenar uma mãe que recorre a tudo quanto pode para tentar salvar as suas filhas....Não imagino o desespero....Estou longe de condenar quem quer ou quis ajudar...Aliás, quem está em posição de ajudar e não ajuda não é amigo, ou conhecido, é somente cruel. Em matéria de saúde, em matéria de sofrimento, de atenuação do sofrimento não condeno ninguém, não só não condeno como sou totalmente a favor da tentativa de resolução dos problemas seja de que forma for, a favor da pré-determinação e autonomia da vontade individual e, por isso, por exemplo e em aparente sentido contrário, totalmente a favor da eutanásia. Passámos por uma epidemia mundial que matou, directa e indirectamente, milhões de inocentes e fez agravar as situações crónicas de muitos outros milhões, seja com os efeitos secundários das vacinas, abafados em nome dos superiores interesses dos empresários do sector, seja com a ausência da possibilidade de recurso a tratamentos médicos adequados e atempados. Um drama. Em matéria de saúde, vivem-se dramas verdadeiros e, sobretudo, iníquos. Marcelo agiu em nome da sua consciência da melhor forma que soube. Não está em causa isso. Se a primeira figura do Estado não servir para isso serve para quê? O que está em causa é o atropelamento jurídico efetuado (com o andamento relâmpago de atribuição de cidadania e outras coisas que tais) e, principalmente, a imposição de um tratamento aparentemente cientificamente ineficaz de acordo com a posição dos médicos em particular. Também sei do que falo. Numa doença rara, ou, numa doença, a medicina portuguesa é extremamente conservadora. A par disso, ignora as tendências e evoluções no resto do mundo, em termos de tratamentos e mesmo de meios complementares de diagnóstico. Se me transmitem "vai a Barcelona fazer a ressonância porque tens estas características e assim e assado" eu fico-me a perguntar porque raio não há isto nos hospitais portugueses e pior, como é que os médicos desconhecem....Por seguir vários no Linkedin já percebi como funcionam os médicos....seres humanos cheios de dúvidas nas formas de abordagem dos problemas e das situações concretas dos pacientes, consultando-se "em rede".....é mau, mas não há melhor. Numa doença rara a maioria dos médicos nega a viabilidade ou desconhece os tratamentos e os que realmente tratam vêem-se confrontados com a impotência que têm em fazer ver aos seus pares os seus sucessos e dos seus pacientes. No caso das gémeas, não sabemos se os médicos portugueses têm conhecimento suficiente para afirmar que o medicamento não iria ser eficaz....Bem, aparentemente, no caso concreto de uma atrofia muscular desde nascença, obviamente, cura não há....pelo que os médicos devem estar em posição confortável para terem tomado o esclarecimento de que aquele medicamento seria ineficaz. Ora a ser verdade que o medicamento não iria fazer nada isso, sim é muito grave, dado o valor do mesmo...Pedir 50 cêntimos a cada português para salvar duas meninas é uma coisa.....Impor isso sem resultados posteriores é outra....Foi o que, ao que parece, aconteceu. Mas pior é mesmo quando se impõe que os portugueses, pessoas pobres e ignorantes, cubram muitos cêntimos e muitos euros de coisas que vão para pagar sabe-se lá para onde e por que motivos. Esse é o verdadeiro problema do país: total falta de accountability. Concreta.Um país que não sabe os seus números oficias com clareza, que não os distingue é um país totalmente condenado ao fracasso....Por outro lado e por isso mesmo, num país pobre, as cunhas são um mal impossível de fugir, mas muito se confunde sobre o que é uma cunha, ou, muitas pessoas terão conceitos diferentes sobre o que abrange ser uma cunha. Não considero que o Presidente da Republica tenha cedido a uma cunha, considero que cedeu a um pedido para fazer andar as coisas num país que não funciona e onde o tempo é um factor de importância crucial. Cunha, para mim, é colocar alguém numa posição em detrimento de outro(s) com melhores condições. Cunha não é uma pessoa socorrer-se de quem conhece seja para o que for, só o é se o fôr prejudicando outros. Quanto ao caso concreto desconheço. Mas mesmo para questões profissionais, por exemplo, nos EUA, 75% dos trabalhos que as pessoas têm decorrem dos seus contactos, ou do anglicanismo, do networking....Cunha? Não. Isso não é cunha. Analisando em termos penais para os mais maniqueístas, normalmente os populistas, o direito é vago, geral, demasiado abrangente na qualificação do tipo penal de crime. Tráfico de influências e burla são, por exemplo, dois crimes que são muitas vezes confundidos e usados erradamente em atribuições feitas pela sociedade, sobretudo pela comunicação social, atirando para fora da equação a questão do elemento subjectivo e do elemento objectivo do crime. A confusão, a falta de conhecimento leva a que tudo possa ser usado de forma populista. Aqui, a sociedade deveria, para além de esclarecer-se, em primeiro lugar, aprofundar o debate sobre o que deve ser enquadrado como crime e o que não deve ser enquadrado como crime, ou seja, qual o grau de censura que a sociedade determina que indica que o cidadão que se comporte de tal forma ou tal forma tenha como consequência uma sanção de carácter penal, na qual, naturalmente, se inclui, necessariamente e consequentemente, uma privação da liberdade, ou seja, a prisão, em segundo lugar. O que podemos concluir de tudo o que temos vivido em Portugal nos dois ultimos anos é que, duas gajas que não se gramavam deram cabo de um governo e duas gémeas inocentes deram cabo de um Presidente.....Talvez o país se devesse focar mais em encontrar formas de se desenvolver, de produzir, de enriquecer, em vez de andar a perder tempo com "tempos de antena" de comentadeiros e politiqueiros....Portugal não está bem e precisa de estabilidade para dar condições de vida aos portugueses, para alavancar o país e dar um salto de gigante no progresso e bem comum dos cidadãos.....Estamos fartos de sermos cidadões....Com ou sem Marcelos..