Sociedades Infantilizadas
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O Estado de bem estar geral, gerado nos países prósperos e de paz trouxe consigo, a par dos desenvolvimentos tecnológicos e causa deles, uma infantilização geral das sociedades. Se por um lado assistimos a uma desenvoltura intelectual mais rápida, precoce e acentuada nas crianças (como sonhava alguém: "o meu neto vai nascer já a saber falar!"), por outro lado assistimos a um prolongamento de um estado infantil em muitos adultos, que se entregam à febre dos jogos de computador (recorde-se a "febre" do Candicrush, jogo do facebook que nunca joguei mas ouvi dizer que servia para recolher os nossos dados....) e jogos de consola que, ano sim ano não, anuncia mais um novo produto com milhões e milhões dispendidos em marketing à escala mundial. Se gastam, compensa. Sim, o lucro é muito grande. Homens feitos (sobretudo) de fato e gravata se "entregam" às delícias de passar horas diárias alheados do mundo e das preocupações reais das suas vidas pessoais e da vida do mundo, obcecados com o jogar, como se de crianças ainda se tratassem. Horrível. Não compreendo como alguém pode assim desperdiçar as suas vidas e o seu curto e precioso tempo. Para além disso existe uma própria cultura de dependência e infantilização que expulsa a responsabilização e autonomia dos adultos, através de mecanismos de controle cultural e social que se verifica mais de umas formas do que de outras e mais numas geografias do que em outras mas existe. O Estado do bem estar trouxe consigo este relaxamento da necessidade de virar adulto e assumir todas as responsabilidades bem como de marcadamente demonstrar a sua total autonomia e independência. Se no início do século passado assistíamos a fenómenos sociais em que os homens eram adultos honrados e emancipados com vida profissional própria e familia constituida com os 20 anos de idade, ao mesmo tempo que assistíamos às mulheres da mesma idade já casadas ou em vias de casar, mas altamente responsáveis porque responsabilizadas pelas lides domésticas e familiares desde sempre (quando não ajudavam a cuidar dos irmãos mais novos, ajudavam a cuidar da casa e das terras dos progenitores), o que, por outro lado não isenta de críticas a sociedade hiper-misógina e alta dependência feminina do domínio masculino, associado a pressões sociais extremamente conservadoras e castradoras, e decorrentes disso, com muito menos liberdade do que nas sociedades atuais. A libertação do jugo social e religioso dado com o encurtamento do mundo foi altamente libertador para as mulheres, para as minorias, para o diferente das sociedades, sendo que o diferente, a diversidade, o multiculturalismo é uma realidade mundial em quase todo o lado e de uma forma muito mais liberta de constrangimentos do que alguma vez teve lugar. Ora esta não assunção de responsabilidades por parte de muitas pessoas, em época de paz e abundância, em época de consumismo onde a cada esquina nos tentam vender tudo e mais alguma coisa, tornou-se altamente fomentadora de comportamentos também eles imaturos, de falta de experiência em lidar com frustrações e objecções e escassez e, sobretudo, falta de respeito, sabedoria, sentido crítico, e sensatez. O que verificamos, com esta sociedade altamente capitalista que pretende apenas vender, vender, vender, que aproveita a muitas industrias esta sociedade infantilizada: à industria do entretenimento de uma forma geral e de modo particular à industria dos jogos, do gaming; também a industria dos jogos de azar tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos, frustrados e alienados, rejeitando as responsabilidades decorrentes da vida adulta, inebriados por uma sociedade que se mostra, mostra-se no seu vazio de conteúdo, na adulteração total da sua aparência, na promoção descabida da perfeição, da felicidade, do materialismo. Ceder a tudo isto promoveu a desresponsabilização e a imaturidade nas pessoas, bem como cedeu a impulsos controladores de outras instituições sociais, como a Igreja, em nome de algo que nem os próprios respeitam: a familia. Ter noção da instrumentalização das pessoas, dos seus comportamentos, das suas caraterísticas é um primeiro passo para avaliar e discutir se estamos no bom caminho, no caminho de um mundo melhor, mais solidário, mais coeso, mais sábio, mais livre, mais rico....Não, não estamos....Temos de evoluir no sentido de conseguir diminuir o impacto destas industrias e das forças sociais e económicas também, que destroem o individuo não o permitindo ser parte ativa e o protagonista maior da sua história de vida, é preciso, por isso, pensar....